por Chico Alencar
Pontos na costura da vida de um pensador na política.
1. Marcas da infância: filho da elite, sensível à miséria do entorno. Passou a meninice cercado de mucamas e mimos (nunca lhe foi permitido andar a cavalo, e tinha nojo de toicinho e manteiga, por exemplo) no Engenho Massangana, em Cabo de Santo Agostinho (PE). “O traço de toda uma vida é para muitos um desenho de criança esquecido pelo homem, mas ao qual ele terá sempre que se cingir sem o saber” (‘Minha Formação’): o jovem negro – 18 anos presumíveis – que se lança sobre o menino na sacada da
Casa Grande, suplicando que o comprasse, para amenizar os suplícios que sofria do senhor vizinho... “Foi este o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava”. De alguma maneira, Nabuco traiu suas origens de classe, com toda uma vida que poderia não ter sido e foi...
2. A causa vital: a emancipação dos escravos, a ‘dignidade humana’ – pela qual pautou todas as outras carreiras (advogado, historiador, ‘sociólogo’, jornalista, escritor, diplomata e deputado, contrariando parte de suas ‘bases’). Causa norteadora, balizadora, mas não exclusiva. Funda, com André Rebouças e José do Patrocínio, a Sociedade Abolicionista Brasileira – sempre na expectativa de que houvesse um Terceiro Reinado. Em carta, aos 34 anos, diz que prometera fazer de sua vida um protesto contra a escravidão, “nada querendo dela, esperando como os escravos o meu dia”. “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Perpassava todas as
instituições e maneiras de ser – invadia todas as atividades, todas as classes, todas as mentes. Suas sequelas: “a alma infantil”, “o silêncio sem concentração” e “as alegrias sem causa”. Para Nabuco, o senhor, por ser senhor, também ficava diminuído como cidadão, lembrando, de alguma forma, a dialética da dependência entre senhor e escravo, de Hegel. Completando seu curso de Direito em Recife, escandalizou a sociedade ao ajudar, em juri, aos 20 anos, na defesa de um escravo (Thomaz, 27 anos) acusado de assassinar uma autoridade (que o mandara açoitar barbaramente, em praça pública), e um guarda da prisão, de onde escapara. “Na origem desse processo dois crimes havia: havia a escravidão, havia a pena de morte. A escravidão levara Thomaz – que era bom e fez-se uma fera – a praticar o primeiro crime, a pena de morte a perpetrar o segundo”. Vitória parcial do jovem causídico: Thomaz teve a pena de morte comutada em prisão perpétua.