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A Universidade de Coimbra justificou da seguinte maneira o título de Doutor Honoris Causa ao cidadão Lula da Silva: “a política transporta positividade e com positividade deve ser exercida. Da poesia para o filósofo, do filósofo para o povo. Do povo para o homem do povo: Lula da Silva”

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sábado, 21 de agosto de 2010

Da arte de ser Manoel Octávio


Da arte de ser Manoel Octávio

Nesse espaço aqui, criticamos sem ambiguidades as alianças do Lula com Sarney e Roseana, com Collor, Jader Barbalho, Michel Temer... Mas esse tipo de crítica O GLOBO não faz, porque aí teria de contar a história ao estilo do Manoel Octávio, revelando os podres de todos os lados. Suspeito que quem escreve os editoriais de O Globo é o próprio Purana Kassapa.

Por José Ribamar Bessa Freire (*)

No início da década de 1960, no Colégio Estadual do Amazonas, todos nós, alunos, queríamos ter a sabedoria do Manoel Octávio, o domínio de palco do Manoel Octávio, a fluência verbal e a elegância do Manoel Octávio. Enfim, todos nós queríamos SER Manoel Octávio, aceitando até mesmo, de contrapeso, sua careca brilhante, que lhe custou o apelido de ‘Jacaré’, por ele repudiado. Mas já não se faz mais Manoel Octávio com ‘c’ como antigamente: erudicto, seductor, retórico.

Ele era o nosso professor de História. Traçava tudo: pré-história, idade antiga, medieval, moderna, pós-moderna, contemporânea, o que pintasse. Discorria sobre Egito, Roma e Grécia como se tivesse sido testemunha presencial dos fatos. Quem assistiu suas aulas jamais esquecerá a narração da cena na qual o imperador Julio César recebe de presente da rainha do Egito um enorme tapete e ao desenrolá-lo – oh, surpresa! - encontra lá dentro, nuazinha, a própria Cleópatra, que se tornou sua amante. Foi a primeira vez que ouvi a palavra ‘calipígio’, que ele pronunciava com um estranho brilho nos olhos.

Gostava de usar palavras que nos obrigavam a ir ao dicionário. Sua narração, rica em detalhes, era mais apimentada do que o croquete da dona Alvina, em cuja banca de tacacá rolavam as fofocas mais maliciosas do bairro de Aparecida, incluindo nomes de quem encroquetou quem. Ele nos revelou que quem despiu e embrulhou a rainha do Egito no tapete – aqui pra nós, não é pra espalhar não - foi Apolodoro, o criado dela, um negão siciliano com quem teve um caso, dizem as más línguas.

Pois bem, o caso foi censurado no filme ‘Cleópatra’, que entrou em cartaz no cinema Politeama de Manaus, em1964, estrelado por Elizabeth Taylor, Rex Harrison e Richard Burton. Um cara tão importante como Apolodoro, que despiu Cleópatra e a banhava com leite de cabra, massageando-lhe o corpo, é discriminado no filme, onde não passa de um zeguedegue qualquer, de um figurante secundário protagonizado por um ator obscuro, um tal de Cesare Danova.

Essa é a prova de que as aulas de Manoel Octávio estavam mais up to date do que os filmes holywoodianos da Memérica. Não tinha censura em relação às sacanagens. Manoel Octávio nos ensinou que a História tem que ser como dona Alvina, a tacacazeira: precisa, objetiva, bem informada, crítica e contestadora. Se puder, também fofoqueira, que ninguém é de ferro.

Quando havia fofoca, ela emergia nas aulas de Manoel Octávio, que saía do Egito antigo para a Europa medieval e não hesitava em nos falar do ‘direito de pernada’. Pulava os fossos dos castelos feudais com a maior familiaridade, como se estivesse entrando no ‘La Hoje’, na ‘Pausada’, ou em qualquer centro noturno de lazer de Manaus. Nem o Islam, que admirava, escapava de suas atentas observações, está aí a jovem Aicha que não me deixa mentir.

A jovem Aicha

A aula sobre Aicha atraía gente de outras turmas. Aula, hoje, virou esculhambação com um entra e sai constante de alunos, celular tocando, gente conversando. Mas naquela época era algo tão sagrado quanto uma missa, tinha seu ritual, sua liturgia. Era teatro puro, com cenário, figurino, movimento cênico, iluminação e plateia silenciosa e atenta.

Manoel Octávio vestia sempre um terno de linho bem engomado – cada dia uma cor diferente. Entrava em sala de aula e saudava, religiosamente, com sua voz anasalada: “Bom dia, jovens!”. Fazia-se um silêncio respeitoso. Ele, então, tirava do bolso a carteira de Holywood sem filtro, pegava um cigarro e com ele dava uns tapinhas sobre a carteira, antes de acendê-lo com um isqueiro de chama escandalosa.

Fazia a chamada, expelindo fumaça pela boca, em pequenos rolos. Tragava e enquanto falava a fumaça ia saindo. Sua aula sobre o Islamismo deixava a todos nós fascinados com Maomé, casado quinze vezes, quase sempre com mulheres mais velhas, como a viúva Kadidja. O profeta, porém, exagerou com a única esposa mais nova. Quando noivaram, ela tinha seis anos de idade, casando-se aos catorze. Naquela época não tinha esse negócio de pedofilia não, tema sobre o qual não convém tocar em época de eleição no Amazonas.

De qualquer forma, decorei, palavra por palavra, a narrativa de Manoel Octávio com sua voz fanhosa e empostada, intercalada por baforadas de fumaça: “E Maomé deixou a infância alegre entre os beduínos, onde pastoreava os carneiros da família, deixou os camelos da viúva Kadidja, já morta, e apaixonou-se por Aicha, es-plen-do-ro-sa-men-te bela (aqui dava uma paradinha) na explosão dos seus 14 anos”. Acelerava as últimas palavras, como se quisesse aumentar a explosão.

No momento em que ele exaltava a beleza da jovem Aicha, com imagens fortes, ouvia-se um murmúrio crescente e uníssono se levantando na sala de aula, como no Maracanã, quando a torcida espera um gol, e a bola sai tirando tinta do travessão. Talvez, alguém da turma pensasse na beduína mais próxima, Charufe Nasser, a sultana do seringal, que morava na Ferreira Pena com Monsenhor Coutinho e era, com todo respeito, um piteuzinho. Mas o xodó de Manoel Octávio era mesmo o Império Gupta.

O Império Gupta

Andei perguntando aqui e ali, dentro da própria universidade, e encontrei poucas pessoas que sabem, atualmente, o que foi o Império Gupta, a maior potência política e militar que floresceu no norte da Índia, se estendendo pelo vale do rio Ganges, durante três séculos. A novela da Globo – Caminho das Índias – com tanta dancinha, are baba, namasté, ignorou olimpicamente o Império Gupta. Mas o Manoel Octávio não. Ele adorava o Império Gupta, a quem dedicava várias aulas.

Não vou contar aqui o que imperador Samudragupta aprontou com uma cortesã chamada Ajita Gosaliputra porque nem a banca de tacacá da Dona Alvina aguentaria. Talvez algum aluno tenha guardado o caderno de pontos das aulas de História do Manoel Octávio e possa disponibilizá-lo na internet. Aqui, prefiro lembrar o que nosso mestre nos ensinava: que nunca na história da Índia, houve tanto progresso como no Império Gupta. No entanto, esse fato não era reconhecido pelo filósofo invejoso e imoral, chamado Purana Kassapa (também, com esse nome!).

Eis o que eu queria dizer nesse espaço que está terminando. O jornal O Globo está igualzinho ao Purana Kassapa. A manchete de ontem, sábado, berra em letras garrafais uma não-notícia: “GOVERNO LULA NÃO MUDOU A CALAMIDADE NO SANEAMENTO”. Outros registros vão na mesma direção: “PT e aliados da AL pregam controle da mídia”. “Mais crianças catam lixo”. Tudo isso na primeira página. Lá dentro: “Doze milhões de casas sem água”; “É vergonhoso e atenta contra a saúde”; “País tem cerca de um milhão de dependentes de crack”. E para fechar: “Serra defende Zona Franca de Manaus”.

As notícias são todas editorializadas, responsabilizando Lula por tudo de ruim que existe no país. Tudo bem, o papel da imprensa é esse mesmo: criticar, dar pau no poder, mas não de forma seletiva. Isso me cheira a manipulação. Nesse espaço aqui, criticamos sem ambiguidades as alianças do Lula com Sarney e Roseana, com Collor, Jader Barbalho, Michel Temer... Mas esse tipo de crítica O GLOBO não faz, porque aí teria de contar a história ao estilo do Manoel Octávio, revelando os podres de todos os lados. Suspeito que quem escreve os editoriais de O Globo é o próprio Purana Kassapa.

P.S. – Esse texto é uma homenagem póstuma a Maria Eulália Martins, professora aposentadora do Curso de Serviço Social da UFAM, que nos deixou e com quem compartilhei, com cumplicidade, a admiração por Manoel Octávio, um dos nossos melhores professores, aqui apresentado da forma que Eulália gostava: brincando, com humor.

*José Ribamar Bessa Freire é antropólogo, natural de Manaus e assina no “Diário do Amazonas” coluna semanal tida como uma das mais lidas da região norte. Reside no Rio de Janeiro há mais de 20 anos e é professor da UERJ, onde coordena o programa “Pró-Índio”. Mantém o blogTaqui pra ti e é colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.

Imperdível: Fotos provam que "amizade" Lula-Serra vem de longe

Por Pedro Alexandre Alves de Lacerda, reproduzido do "Vi o mundo"


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"Brasil não deve retornar ao atraso"

A declaração acima é de Augusto Chagas, presidente de uma das mais tradicionais e representativas organizações da sociedade civil: a União Nacional dos Estudantes (UNE) que completou 73 anos de luta no último 11 de agosto. O título dá seu posicionamento - e o da entidade que comanda - em relação às eleições presidenciais deste ano.

O líder estudantil explica porque a organização que dirige é neutra na campanha presidencial para o 1º turno, mas deixa claro: neutralidade não significa não optar por um lado - e a UNE opta.

Eleito em 2009 com 71,8% dos votos, o jovem de 27 anos começou sua trajetória no movimento estudantil em Rio Claro (SP), onde presidiu o Diretório Acadêmico da UNESP-Rio Claro e o DCE da UNESP/FATEC. Augusto também esteve no comando da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP) durante duas gestões, de 2005 a 2009.

Nesta entrevista, o paulistano de nascimento e sãopaulino confesso traça um panorama das principais transformações pelas quais a UNE passou desde a redemocratização do país em 1985. Também faz diagnóstico da educação brasileira, considerando as conquistas dos movimentos sociais e do atual governo e os pontos fundamentais em que precisamos avançar para conquistarmos uma educação universal e de qualidade no país.

Augusto também analisa a relação entre o governo Lula e os movimentos sociais, relaciona as principais bandeiras pelas quais lutam os jovens no país hoje e afirma, com conhecimento de causa, que a juventude gosta - e muito - de política.


[ Zé Dirceu ] Augusto, eu gostaria que você fizesse um balanço da força e da atuação da UNE desde o período da redemocratização até hoje.

[ Augusto Chagas ] Já são quase 31 anos de redemocratização. O Congresso de Salvador em que a UNE foi reestruturada ocorreu antes da Anistia. A UNE talvez tenha sido o primeiro movimento nacional de caráter contestador à ditadura a conseguir se reorganizar. Mas temos também as greves operárias, a reorganização da estrutura sindical e também os movimentos no campo, a constituição do MST.

Temos, portanto, que comemorar os últimos 31 anos da nossa história. A contribuição de todas essas organizações que, de certa maneira, precisam reivindicar para si as conquistas que o Brasil ganhou nos últimos anos. Agora, em 2010, encerramos os oito anos de governo Lula. Ele é importante porque tivemos a oportunidade de virar a página de determinadas políticas da década de 90 e iniciar a elaboração de outras perspectivas.

Isso é resultado dessa luta política e social. A força social no Brasil contribuiu na trajetória da democratização, no processo da Constituinte, no impeachment do Collor, na resistência às políticas do governo Fernando Henrique. Em relação às privatizações, por exemplo, elas só não foram mais desastrosas para o país porque tivemos uma luta social conseqüente. Outro exemplo, foi barrar a ALCA – que era uma das propostas mais conservadoras do governo FHC e que fecharia o projeto que eles vinham implementando. Foi essa luta social que conduziu à eleição de um ex-operário para presidir a República. Ela continua e vem pressionando para que possamos obter mais conquistas.

A UNE faz parte desse movimento. Se focarmos apenas na atuação dela, podemos notar um claro fortalecimento da nossa entidade. Em 2005, na gestão do Gustavo Petta, a UNE passou por um importante processo de reforma estatutária. O mecanismo de realização de congressos, que vigorava há mais de 20 anos e era por cursos, foi modificado. Antes, as forças políticas iam nos cursos, elegiam os seus representantes e depois, às vésperas do Congresso, os estudantes brigavam para decidir quem seria o delegado de determinado curso. Tratava-se de um processo que não exigia que a eleição direta fosse organizada.

Agora, saltamos para um mecanismo que exige. O mecanismo de disputa sobre a direção da entidade determina suas relações internas, seus desafios e possibilidades. Como a eleição era por curso, nós tínhamos um desequilíbrio, porque grandes universidades em centros urbanos tinham praticamente o mesmo peso que as universidades no interior dos Estados, com cursos pequenos. Hoje, existe uma fração: para cada mil estudantes, elege-se um representante. Além disso, é obrigatório um processo de eleições diretas.

[ Zé Dirceu ] Então, a eleição de delegado voltou a ser por faculdade?

[ Augusto Chagas ] Sim, mas de maneira direta. As chapas se inscrevem, como se fosse uma eleição de DCE. Eleição por chapa dos delegados, proporcional. Dentro dessa conta de cada mil elege-se um representante. Isso significou uma vitalidade maior para a UNE.

Essa reforma é também conseqüência do momento que estamos vivendo. Nós superamos uma questão antiga, de pelo menos 10 anos. Ainda que a dificuldade de relação entre as diferenças de opinião fosse muito presente na UNE, e apesar de sempre ter sido uma característica dela conviver com as diferenças, tenho a impressão de que no final da década de 90, nós vivíamos num clima de “porradaria danada”. Nos últimos anos, conseguimos consolidar um mecanismo de direção na entidade, de convivência das diversas organizações políticas em sua direção, o que ajudou a fortelecer a UNE.

Estamos também prestes a consolidar o sonho da nossa geração que é a reconstrução da sede no Rio. Ela é muito simbólica e representa esse momento de virada da UNE. Foi aprovada em duas Comissões da Câmara, e por votação unânime no Senado, com a presença de vários parlamentares, tanto da base aliada do governo quanto da oposição. Isso, sem dúvidas, mostra o prestígio da entidade. Todos os partidos políticos do país aprovaram o projeto. Erguer a sede da UNE tem uma simbologia e pode representar um salto de qualidade na condução da nossa entidade, para sua capacidade material, estruturação e independência financeira. De uma forma geral, avalio que a UNE vive um momento muito bom.

Temos uma rede estudantil
invejável no Brasil

[ Zé Dirceu ] Quais as principais características e bandeiras do movimento estudantil hoje? Os DCEs existem de fato? As UEs?

[ Augusto Chagas ] As UEs existem sim. Temos 12 hoje. Destacam-se as de São Paulo, Rio, Minas, Pernambuco e Bahia. A UE do Amazonas é muito representativa também. Organizamos a do Rio Grande do Sul e a de Santa Catarina. A do Paraná se mantém bastante organizada. Nós temos uma rede estudantil invejável no Brasil.

A UNE consegue reunir nos CONEBs cerca de 400 entidades eleitorais. Os DCEs e as UEs. Voltamos também a ter a tradição de realizar CONEBs em todas as gestões. Neles, mais de 3 mil centros acadêmicos se credenciam e mais de 2 mil retiram crachás. Temos mobilização estudantil nos lugares mais remotos do país, com bastante combatividade. E também com um patrimônio: a unidade do movimento estudantil (ME). A única aventura que enfrentamos nesse período recente foi o movimento por parte do PSTU. Legítimo e que nós respeitamos. Obviamente, não se trata de desrespeitar a opção que eles fizeram, mas de discordar.

Eles saíram da UNE em 2004, porque estavam um pouco esmagados no debate político. Tentaram montar uma organização, a Assembléia Nacional de Estudantes Livres, a proposta de uma outra UNE. Agora, estão pagando o preço, porque perderam todas na nova rodada de eleições de DCEs. Na realidade, eles tiveram uma proposta muito conservadora ao se colocarem contra o REUNI anos atrás. Fizeram ocupações e houve confrontos entre os que defendiam que o Conselho Universário deliberasse sobre isso e os que não apoiavam essa deliberação. O caso da UFRJ foi emblemático, a turma tentando invadir a reunião e o ME defendendo para conseguir botar em votação e aprovar a proposta de democratização da universidade brasileira. Como eles tiveram essa proposta muito conservadora, agora pagam o preço.



[ Zé Dirceu ] Quais os principais temas que mobilizam os estudantes hoje?

[ Augusto Chagas ] São muitos. É nossa tradição debater as grandes questões nacionais. Agora, por exemplo, estamos na discussão do pré-sal. Desde que ela surgiu na pauta, nós iniciamos o debate e agora que ela toma uma nova dimensão com a tramitação de projetos no Congresso Nacional, a UNE e a UBES de uma maneira unificada aprovaram esta bandeira como nossa principal campanha. Tanto a defesa de uma nova lei para o petróleo, quanto de que 50% do Fundo Social sejam destinados à Educação. Fizemos uma jornada de lutas na qual organizamos vários atos pelo país sobre esse tema. No Rio, em São Paulo, Brasília, Goiânia, Salvador, Manaus, Porto Alegre, uma verdadeira jornada nacional. Em Brasília, reunimos 3 mil estudantes. Então, essas grandes questões nos mobilizam.

Os temas educacionais são o grande DNA das entidades estudantis. Primeiramente, temos uma preocupação com educação; depois, e num sentido mais geral, com as questões do país. A bandeira da democratização do acesso às universidades sempre foi muito forte para o movimento estudantil e continua sendo: a defesa da reserva de vagas nas universidades públicas, de mecanismos de ampliação do ProUni e do FIES, e de mecanismos que possam expandir o acesso à universidade. E também pautas mais cotidianas dos estudantes, como a qualidade da educação, conquistada recentemente através do novo sistema nacional de avaliação do ensino superior, o SNAES. Temos ampliado as políticas de assistência estudantil que são sempre pautas muito valiosas.

Temos menos de 15% dos jovens
de 18 a 24 anos na universidade

[ Zé Dirceu ] Isso tem avançado?

[ Augusto Chagas ] Tem. A assistência estudantil aumentou. A rubrica passou a R$ 300 milhões, um valor significativo e destinado essencialmente a isso. Algo bastante positivo. Na nossa opinião, falta uma política nacional exclusiva sobre esse tema. Hoje, menos de 15% dos jovens de 18 a 24 anos estão na universidade. Aproximadamente 25% do universo total de pessoas que concluíram o Ensino Médio, conseguem chegar no ensino superior. Na idade correta o índice cai para 13,9%. Só conseguiremos ampliá-lo se expandirmos a rede pública de maneira consistente e criarmos mecanismos de permanência também mais persistentes. As populações menos favorecidas socialmente não conseguem chegar às universidades. E as que chegam lutam muito para continuar estudando. São jornadas do século XIX, porque o cara acorda às 5 da manhã; passa duas horas no transporte público; trabalha até às seis da tarde; chega atrasado na universidade; e não janta porque não tem dinheiro para jantar. Daí chega em casa, janta meia noite, dorme lá pela 1h manhã e tem que acordar cedo no dia seguinte para trabalhar. Essa é a realidade. Então precisamos de políticas de permanência que possam avançar até os sistemas municipais.

No Rio de Janeiro, por exemplo, até hoje não tem meio passe de transporte para os estudantes. É preciso uma política nacional nesse sentido. Nós temos condições, podemos influir sobre as políticas até de transporte. A defesa que a UNE faz hoje neste último projeto de reforma universitária - que nós aprovamos - é que exista uma política nacional de bolsas para que todo estudante que tiver dentro de uma certa faixa de renda familiar possa receber uma bolsa permanência. Um subsídio federal pelo qual todo estudante de escola pública oficial ou privada tenha ajuda para permanecer estudando se tiver dentro dessa faixa de renda econômica.


[ Zé Dirceu ] E as universidades privadas?

[ Augusto Chagas ] Ainda há muitos problemas. Não se regulamentaram as relações no interior dessas universidades. A questão da organização e da liberdade dentro dessas instituições não mudou nada. Nós não avançamos nenhum milímetro neste sentido.

[ Zé Dirceu ] Mas existem centros acadêmicos nelas?

[ Augusto Chagas ] Não em todas, apenas naquelas em que a gente permanece com algum tipo de postura. É um movimento muito mais induzido do que espontâneo. Espontaneamente, eles não surgem. Já quando você induz, encontra jovens com disposição, embora com limitações, porque geralmente são turmas que trabalham. Então, o comprometimento fica mais difícil. Mas são estudantes trabalhadores que têm interesse em se organizar. É muito difícil também porque você precisa a todo momento conciliar com a direção dessas instituições. Nelas, da catraca para dentro, são elas que mandam. Você não pode pendurar um cartaz na parede, passar em uma sala de aula porque é tudo proibido. E pior, a maioria delas perseguem os estudantes que procuram tomar alguma iniciativa. Elas têm muitos instrumentos para isso. Colocam professores para ameaçar na hora de dar a nota, ameaçam cortar bolsas de estudos ou bolsa atleta.

Esse é o tratamento dado ao movimento estudantil dentro das instituições privadas. Com exceção das mais tradicionais - da PUC, por exemplo - essa é a média do que acontece nas faculdades privadas.

No governo FHC, a pauta era cobrar
mensalidade
 na universidade pública.

[ Zé Dirceu ] Como vocês avaliam a política educacional dos últimos oito anos de governo Lula?

[ Augusto Chagas ] Nós avançamos muito, principalmente porque saímos de uma situação escandalosa. A política do Paulo Renato Souza à frente do Ministério da Educação foi um escândalo de desserviço para o país. Eles conseguiram proibir o governo federal de ampliar a rede tecnológica. Chegaram a esse cúmulo! A universidade pública foi completamente abandonada. A UFRJ há algum tempo teve a luz cortada porque durante dois anos não conseguiu pagar a conta de luz. Uma das principais federais do país! A universidade pública ficou com salários sucateados, nenhum tipo de expansão. Não se abria uma universidade pública há muito tempo no Brasil...

Então (no governo Lula), nós saímos de uma situação e ao mesmo tempo de uma política que radicalizava a ideia de transformar a educação numa mercadoria. Eles (governos tucanos) trabalhavam com a lógica de que o mercado e a iniciativa privada iriam resolver os problemas educacionais do nosso país. A agenda daquele período, todos se lembram. A pauta era cobrar mensalidade na universidade pública. Esse era o debate! A discussão sobre o ensino público estava em uma defensiva que possibilitava que isso fosse feito abertamente.

Nós saímos de uma situação péssima e conseguimos dar passos importantes. Temos que destacar a ampliação do orçamento da educação. Em valores reais ele triplicou. Saímos de R$ 20 bi e chegamos a R$ 60 bi - temos que descontar a inflação. Essa questão do orçamento é muito significativa. (No governo Lula houve) as contribuições ao sistema nacional de educação com a criação do FUNDEB e a divisão mais equilibrada de recursos… E pudemos pensar a política nacional enquanto articuladora da política de educação.

A ampliação da rede pública também foi significativa, bem como o número de escolas técnicas construídas no último período. Em números comparativos isso foi impressionante. Nós tínhamos menos de 150 escolas técnicas construídas em um século, e construímos mais de 250 nos últimos anos. Também abrimos a universidade pública que voltou a se expandir. São 14 novas, quase uma centena de campis que se interiorizaram, com a abertura de cursos tradicionais. E agora, essa última fase que é a criação do REUNI (Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que vai dobrar a oferta de matrículas na universidade pública até o final do ano.

[ Zé Dirceu ] Dobra como? Com a abertura de cursos noturnos?

[ Augusto Chagas ] Com a abertura de cursos noturnos, a criação e oferta de vagas em cursos já tradicionais e também de novos cursos e campis. Quando proposto, o REUNI foi acusado de ser um programa autoritário. Mas na realidade é o mecanismo mais adequado se pensarmos na autonomia das universidades. O programa permitiu que cada conselho universitário debatesse, aprovasse o seu próprio projeto dentro de determinadas lógicas. O REUNI vai ampliar as universidades, aumentar a oferta de matrículas. Então, se você apresentar um projeto que garanta isso, você tem condição de ter acesso à fonte de financiamento para possibilitar sua viabilização. É muito positivo.

O ProUni também. Há um número interessante neste caso: sequer 10% dos pais e mães dos estudantes contemplados pelo programa, chegaram a concluir o ensino superior. Se você comparar esse número com os dos pais e mães dos estudantes da USP, verá que mais de 70% deles têm diploma universitário. Trata-se, portanto, de um programa que enfrenta uma lógica de reprodução da situação das famílias e traz uma perspectiva muito emblemática. São jovens que vêm de uma condição social familiar bem simples na sociedade e que agora têm a oportunidade de mudar essa condição. Em números, eles já são mais de 600 mil. No FIES (finaciamento estudantil) também nós avançamos muito. No geral, eu faço uma avaliação muito positiva desse processo. Há um avanço significativo também em relação ao piso nacional dos professores. Uma conquista fundamental para a luta na educação.

Nossa educação exclui a juventude

Agora, penso que as conquistas foram tão importantes que chegamos a uma situação de certo comodismo, na qual, tem-se uma impressão errada de que está tudo bem. “Ah, está tudo bem”, “a política educacional é uma maravilha”... Mas se você olhar para a educação brasileira ela está muito ruim. Nós temos 15 milhões de analfabetos; a idade média da nossa população adulta na escola é 7 anos; a escola pública tem infraestrutura lamentável. Há números que mostram que não chegam a 30% as escolas que têm um laboratório de Ciências e uma quadra poliesportiva.

Nossa educação exclui a juventude. Metade dos jovens estão fora do ensino médio e dos que se formam nessa etapa, só metade entra no ensino superior (25% do universo total de jovens e apenas 13,9% dos entre 18 a 24 anos). Veja que são números baixíssimos comparados com qualquer país vizinho na América Latina. Em relação aos Estados Unidos e Europa, que tem mais de 60% e de 70%, nossa realidade é muito distante.

Portanto, essa sensação de que está tudo muito bem é errada. Há muito a se fazer no Brasil. O país irá enfrentar seus gargalos naturais nesses espaços decisivos, primeiro com mais recursos. Foi importante dobrarmos os recursos para a educação. Evidente, se você pegar o dado do investimento per capta, ele se normalizou e agora começa a subir. No percentual do PIB está razoavelmente estável o investimento em educação. Então, nós podemos subir os recursos nesta área. O Brasil precisa disso. Obviamente, além de propostas como debatemos, como a do pré-sal (50% dos recursos). Esta nos parece uma grande oportunidade. Temos que fazer um debate sério sobre para onde vamos destinar esta riqueza. A educação é daquelas políticas que permite esse investimento, porque influencia nesta e nas futuras gerações.

E é isso que precisamos pensar em relação a utilização de um recurso que é da nação e é finito. Além dessas políticas, temos que enfrentar os gargalos como o do pagamento da dívida pública. Hoje, nosso país gasta mais com ela do que com saúde e educação.

[ Zé Dirceu ] Um gasto de R$ 30 bi a mais.

[ Augusto Chagas ] Precisamos enfrentar esses gargalos com um olhar mais ousado. Se conseguimos dar passos iniciais para retomar uma visão de educação pública, retomar a perspectiva de carreira dos nossos professores, recolocar a universidade e a escola pública no centro da política educacional, na perspectiva de termos um sistema de educação mais equilibrado, agora é importante ter ousadia nas próximas metas. Precisamos universalizar o ensino médio, garantir creches e educação infantil no nosso país. E ampliar a universidade porque nossos números ainda são limitadores. Então, não dá para ter uma postura de que está tudo bem. Essa é uma tarefa.

O Ministério da Educação também teve uma relação com a sociedade que apresenta limitações. Na Conferência Nacional de Educação, por exemplo, teve dois atos políticos. O ato de abertura e outro com o presidente da República. Em nenhum dos dois, nenhuma organização da sociedade civil teve oportunidade de se manifestar. Essa é uma postura bem equivocada da relação da política pública com o movimento social. Obviamente, tinha uma confusão no interior da Comissão que era muito diversa, composta por 50 e tantas organizações. Era bastante difícil encontrar consenso, mas ali não se reivindicava pessoas para falar em nome da Comissão. Foi um ato dirigido pelo Ministério da Educação que precisava sinalizar politicamente naquela Conferência - histórica - de que as posturas são diferentes. Houve um sentimento de muita unidade nas bandeiras do Ministério e nas reivindicações dos movimentos sociais. Isso pode gerar uma sensação de que são as mesmas coisas. Mas não são. O Ministério e os movimentos têm papeis diferentes e no momento da política isso precisa ser manifestado.

Essa fotografia (do momento) representa determinadas limitações que precisamos enfrentar. Afinal, essa não é a marca do governo do presidente Lula. A marca deste governo é de diálogo e de construção coletiva. Outro exemplo: o movimento estudantil, nesta mudança do vestibular, não foi convidado a contribuir. Deu toda a confusão, os problemas com as provas do ENEM, todo o debate que envolve uma mudança de vulto como esta e não fomos ouvidos. Aliás, o fim do vestibular é uma bandeira nossa. Então, do ponto de vista da iniciativa nos parece muito positiva, mas quanto à sua construção, na comissão que se reuniu para debater como seria, o ME, a UNE e a UBES não tiveram oportunidade de se manifestar. Essa é outra limitação que precisamos enfrentar.

O desastre da administração
Serra em São Paulo

[ Zé Dirceu ] Como você avalia a administração Serra em termos de juventude, educação, diálogo com os movimentos?

[ Augusto Chagas ] Acho bem desastrosa. O que foi, inclusive, uma oportunidade perdida por um líder importante na política brasileira, agora candidato à presidência da República. E que tem uma trajetória de origem no movimento social. Serra, inclusive, foi presidente da UNE. É alguém que teria condições de dialogar e ter uma postura mais inteligente nessa relação. Mas se pegarmos do ponto de vista da sua interlocução com a sociedade organizada foi um desastre. Uma pessoa pouco acessível.

A última greve dos professores no Estado de São Paulo foi emblemática. Você tem um sindicato dirigido pela esquerda. Obviamente, o sindicato tem seus objetivos políticos. Agora, o governo do Estado ter uma postura de dizer que se tratava de uma greve política e que eles não têm nenhuma razão de se manifestar... Pior, reagir daquela maneira e colocar a polícia para bater nos professores como bateram. Eu estava no ato do Palácio dos Bandeirantes, perto do Morumbi, na linha de frente, inclusive. Fiquei com o rosto machucado, perdi meus sapatos, torci o tornozelo. Não cheguei a apanhar, porque todo mundo correu, mas caí lá no meio, fui pisoteado, porque a polícia se aproveitou do empurra-empurra e começou a pancadaria generalizada.

Uma postura absurda, ainda mais se você levar em consideração que o salário básico do professor em São Paulo varia entre R$ 780 e R$ 920, o que é uma vergonha para o Estado mais rico do país. Dizer que esses professores não têm razão de se manifestar ou reivindicar melhorias na sua condição de trabalho é uma piada de mau gosto, do ponto de vista da política. E a maneira como o ex-governador José Serra tratou aquilo é emblemática da pouca capacidade de diálogo, de construir relação, uma iniciativa de fato desastrada.

A política educacional do Estado de São Paulo é ruim, não tem nenhuma mudança de qualidade. Essa é a marca desses últimos 15 anos em São Paulo. Você não tem nenhuma política consistente em termos de expansão da universidade pública no Estado. Pelo contrário, elas continuam com a característica de serem centros de excelência de grande qualidade, mas com um numero de vagas pré-definido. Sequer aceitam debater políticas de acesso mais avançadas.

Chegaram a criar essa política de bonificação até para contrapor a política de reserva de vagas, mas é uma coisa muito ineficiente. Do ponto de vista do acesso, se você pegar a pirâmide, ela consegue descer um degrauzinho, mas nada conseqüente. A educação básica em São Paulo é um equívoco. Nós vimos os exemplos das cartilhas erradas e principalmente essas políticas ligadas à ideia de "transformar a educação".

Aqueles que apostam num debate mais sério na construção de educação percebem que essas políticas são criminosas. Ao invés de se fazer um debate sério de valorização da carreira docente e de construir uma educação pública do tipo mais elevado - e o Estado tem condição para isso – eles criam essa aberração, em que pegam parcela dos professores e os gratificam de acordo com um suposto desempenho individual. É absurdo. Achar que um professor da periferia de São Paulo ou de uma escola do Centro tem condições de trabalho equivalentes é uma simplificação grosseira. Bem equivocada.

Eu avalio a educação em São Paulo desta maneira. É um antiprojeto de educação conduzido pelo mesmo cidadão que foi ministro da Educação, no governo de FHC, o Paulo Renato Souza. Em relação à segurança pública, temos que mencionar a truculência policial que marcou muito nos últimos episódios da polícia em São Paulo. Ainda recentemente, dois jovens mortos após serem detidos como suspeitos. E ainda foram chamados de criminosos…

[ Zé Dirceu ] Como a UNE está se preparando para a eleição deste ano?

[ Augusto Chagas ] Nos fizemos o conselho de DCEs no Rio de Janeiro. Ficamos por 4 dias e optamos por fazer um informe de qualidade nos debates. Organizamos mais de 50 painéis temáticos convidando formadores de opinião para discutir vários temas. Primeiro dia, temas educacionais com vários painéis. E depois dois dias de debates gerais sobre política econômica, desafios do desenvolvimento brasileiro, democratização dos meios de comunicação, necessidade da reforma política e democracia. Um debate das políticas públicas de saúde, esporte, a questão da cultura. Foram vários debates ao longo desse Fórum e nele surgiu a polêmica de qual deveria ser a postura da UNE no processo eleitoral.

O que nos pareceu mais adequado foi contribuir com o processo da forma que já é tradição na UNE: com propostas para as eleições. Esta foi a opção da maioria dos estudantes presentes no evento. Quem deve ter candidatos para as eleições são os partidos políticos. Esses são os atores que devem protagonizar as candidaturas. Os movimentos sociais são atores de um outro tipo. Nós ajudamos mais participando desse processo de outra maneira. No caso da UNE, com propostas e ideias. E tendo um lado, evidentemente.

Essa foi a postura aprovada nesse CONEB. Alguns jornais chegaram a explorar isso dizendo que a UNE teria neutralidade na disputa política, o que não é verdade. A UNE procurou reforçar sua independência, mas sabendo que nós temos lado. Saímos do CONEB convencidos primeiro do que não queremos. Nós achamos que o Brasil não deve retornar a agendas atrasadas que já superamos. Eu poderia citar a questão das privatizações; aquelas políticas de Estado mínimo; a política externa brasileira de joelhos, uma marca que algumas pessoas ainda defendem de certa submissão do Brasil, um alinhamento automático com meia dúzia de potências, de costas para a América do Sul e para outros países emergentes.

Não queremos o retorno da criminalização dos movimentos sociais, porque esses hoje, na política brasileira - em especial dos trabalhadores – são atores que protagonizam a luta política e que têm condições de apresentar suas pautas, com autoridade na disputa de ideias.

Não queremos o retorno daquelas políticas. Queremos avançar em determinadas questões, muitas delas fundamentais, que precisam avançar no Brasil. É posição da UNE – e em todo movimento social deve ser assim – ter uma postura crítica e de enfrentamento de determinadas situações. Como se dá, por exemplo, nas opções macroeconômicas que o Brasil ainda conduz. Temos que discutí-las e enfrentá-las.

[ Zé Dirceu ] Como você analisa a mídia e as tentativas de criminalização dos movimentos sociais?

[ Augusto Chagas ] A mídia brasileira exerce um papel muito ruim. Primeiro, é absolutamente concentrada, você conta nos dedos os proprietários dos veículos de comunicação nacionais. De TVs, rádios ou impressos. O monopólio é concentrado nas mãos dessas figuras que defendem seus interesses privados na condução desses veículos, e que fazem um discurso absolutamente hipócrita em termos de liberdade de imprensa e de comunicação. Uma discussão grosseira, como se fossem instituições livres e de interesse público. Não são. Eles defendem interesses privados e a defesa da liberdade que carregam é da liberdade deles, de continuar defendendo seus interesses e pautando a agenda nacional também. Fazendo grosserias. Por exemplo, do ponto de vista das políticas internacionais referendam o que há de mais atrasado. As guerras, inclusive, como fizeram com a Guerra do Iraque. A imprensa brasileira justificou as ações dos EUA!

No caso do Irã, foi tão emblemática a ação da nossa política externa, que até a imprensa brasileira ficou sem ter o que dizer. Talvez isso a tenha levado a avaliar melhor a agenda do governo brasileiro. Mas no geral, a imprensa referenda as políticas do status quo nas questões do mundo, as mais conservadoras aqui internamente. Definem o que deve ou não ser agenda nacional. Nós (o Brasil) recebemos em Brasília 4 chefes de Estado, uma das coisas mais emblemáticas dizem os especialistas dentro do que é a relação dos BRICs com a África do Sul e o Egito. Um negócio significativo, mas isso não deu nenhuma capa de jornal. E esses veículos ainda têm a capacidade de determinar o que deve ou não ser agenda?

Criminalização dos
movimentos sociais

Quanto à relação da mídia com os movimentos sociais é uma relação mentirosa, de criminalizar e deslegitimar sua luta frente à opinião pública. Fazem-no com a UNE, MST, o movimento sindical. O Estadão, no final do ano passado, dedicou uma manchete de domingo a UNE, o que não faziam desde o impeachment do Collor! E para uma agressão absurda: quiseram insinuar que a nossa entidade desviava dinheiro público. Algo que não tinha nenhum cabimento, nenhum fato jornalístico, uma invenção maluca, alucinação do cidadão que fez a matéria. Tanto que isso desapareceu, ninguém mais falou desse assunto. O jornal pegou um pré-orçamento de um projeto da UNE - não foram notas fiscais, foi pré-orcamento de uma empresa de Salvador - e foi atrás dela. Não a encontrou no endereço deste pré-orçamento, então, disse que a empresa era fantasma, que forjávamos notas fiscais para comprovar dinheiro público e fez um escândalo. Uma grosseria sem tamanho.

Então, ou a gente enfrenta essa situação ou o Brasil não vai dar os passos que precisa no próximo período. Esse é um dos grandes desafios. As duas questões que precisamos resolver é esta da comunicação e também a falta de convicção em relação ao enfrentamento dos interesses dos bancos e do setor rentista. Ambos são entraves enormes para que o Brasil possa se desenvolver.



[ Zé Dirceu ] Jovens brasileiros se interessam por política?

[ Augusto Chagas ] Sim. Os jovens carregam uma característica que as pessoas chamam de rebeldia, mas eu traduzo diferente. O jovem olha para o que está errado no mundo e ele não está acostumado a achar que isso sempre foi assim. Qualquer tipo de injustiça, ele se indigna. Essa é a chama da mudança que os jovens carregam e sempre irão carregar. O jovem brasileiro tem sensibilidade e disposição para brigar contra essas questões. No Brasil nós temos uma tradição de organização da juventude que continua firme, que tem luta e mobilização.

Agora, temos que considerar que há uma opinião média que procura marcar na cabeça dos nossos jovens, adolescentes e crianças a visão individualista, a ideia de que a felicidade está ligada ao sucesso individual. Essa é uma ideia presente no capitalismo. São os valores que se procuram criar nos nossos jovens. Essas ideias lutam na outra direção daqueles valores de organização, mobilização e luta. Valores que levam a juventude a jogar seu papel na sociedade.

Mas, o jovem brasileiro se interessa sim por política. O que acontece é que ele fica muito suscetível ao discurso que a imprensa e o setor dominante fazem. Trata-se da estratégia mais cruel e que infelizmente pega muito o jovem: o discurso de que na política só tem corruptos. Essa é uma imagem perversa que cria uma rejeição na cabeça das pessoas. Infelizmente, uma ideia que o setor dominante reforça para manter seu status quo e condição. Nós lutamos contra esses valores.

Sede da UNE: projeto aprovado
em todas as comissões do Congresso.

[ Zé Dirceu ] E a reconstrução do prédio da UNE?

[ Augusto Chagas ] Ela é um símbolo para a UNE, para toda uma geração e para a democracia no Brasil. Eu estava relendo esses dias alguns depoimentos dos que passaram pela sede da UNE nos anos 50 e 60, e relataram o que ela representava. A campanha “O Petróleo é Nosso” (criação da Petrobras), por exemplo - os principais espaços de articulação desta campanha foram no prédio da UNE. Há uma história engraçada. Quando o secretário de Estado norte-americano John Foster Dulles passou pelo Brasil, foi anunciado que ele não passaria em frente à sede da UNE, os jornais noticiaram que a UNE tinha um plano ultrasecreto, infalível, que não permitiria que ele passasse pela sede. Aquilo gerou um pepino político, porque se a UNE fizesse isso, iam fechá-la. Então os estudantes transferiram a sede para o Flamengo e colocaram um pano preto, de luto, para o secretário passar… Depois os estudantes foram lavar a calçada por onde ele passou. Isso foi amplamente noticiado pela imprensa. Essa é a nossa sede. Ela representa esse período. O Jango (quando presidente da República) esteve lá, prestigiando.

Naquele período, a sede da UNE ficou conhecida como casa da resistência democrática. Ela é de fato emblemática para a história do Brasil e para a democracia brasileira. Estamos há mais de 30 anos lutando para retomá-la. Em 1987 (governo Sarney) foi aprovada uma lei que já previa sua reconstrução. O Itamar (Franco), presidente, talvez baseado nisso devolveu a propriedade em 1994. Mas, nós só retomamos a posse em 2005, numa manifestação na Bienal de Arte e Cultura da UNE, com 5 mil estudantes. Aí invertemos uma briga judicial: o posseiro teve que provar que tinha direito e não conseguiu.

Assim retomamos a posse e com um projeto do professor Oscar Niemeyer, pressionamos o presidente Lula para que o Projeto de Lei de reconstrução da sede fosse enviado ao Congresso. Temos esse projeto (do Niemeyer) muito bonito que contempla a construção de uma torre com 13 andares e de um centro cultural que conterá o museu de memória do ME. Agora obtemos essa vitória histórica: a proposta foi aprovada em todas as comissões do Congresso Nacional, todos dizendo que é importante não só para os estudantes, mas também para a democracia. Isso mostra o reconhecimento e prestígio da UNE no nosso país.


FONTE: http://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=2&Itemid=3

Ministério da Defesa vai retomar buscas por desaparecidos na Guerrilha do Araguaia

Por Daniella Jinkings
Repórter da Agência Brasil*

Brasília – O Ministério da Defesa vai retomar as buscas por desaparecidos políticos da Guerrilha do Araguaia neste domingo (22). A quarta expedição será feita no cemitério de Xambioá, noTocantins. Em julho, o grupo criado pelo ministério fez um rastreamento no local para identificar possíveis pontos de escavação.

De acordo com o ministério, a exploração em Tocantins demorou a ser feita porque dependia de autorização judicial, já que a área a ser escavada é um cemitério. Nesta expedição, deverão ser recolhidos materiais para análise em laboratório.

Somente essa análise poderá indicar se os despojos têm alguma relação com a guerrilha ou se são restos mortais de alguma pessoa não relacionada com o episódio. Os materiais encontrados serão enviados para o Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).

A Guerrilha do Araguaia foi um movimento do início da década de 1970, que surgiu para enfrentar a ditadura militar. Muitos guerrilheiros e militares foram mortos em combates na selva amazônica. Até hoje, dezenas de participantes do movimento estão desaparecidos. No ano passado, a juíza da 1ª Vara Federal do Distrito Federal, Solange Salgado, determinou que o governo federal reiniciasse as buscas na região.

Folha desembarca do navio... Agora quem será o próximo?

Alertada pelo meu sempre combativo amigo Gilson Caroni Filho, peço para que não deixem de conferir abaixo o editorial da Folha de S. Paulo de hoje, 21 de Agosto de 2010. São os próprios habitantes da Transilvânia cravando a derradeira estaca no coração do vampiro anêmico.


Avesso do avesso


Tentativa do tucano José Serra de se associar a Lula na propaganda eleitoral é mais um sinal da profunda crise vivida pela oposição





Editorial da Folha de S. Paulo*

Pode até ser que a candidatura José Serra à Presidência experimente alguma oscilação estatística até o dia 3 de outubro. E fatores imprevisíveis, como se sabe, são capazes de alterar o rumo de toda eleição. Não há como negar, portanto, chances teóricas de sobrevida à postulação tucana.

Do ponto de vista político, todavia, a campanha de Serra parece ter recebido seu atestado de óbito com a divulgação da pesquisa Datafolha que mostra uma diferença acachapante a favor da petista Dilma Rousseff.

A situação já era desesperadora. Sintoma disso foi o programa do horário eleitoral que foi ao ar na quinta-feira no qual o principal candidato de oposição ao governo Lula tenta aparecer atrelado... ao próprio Lula.

Cenas de arquivo, com o atual presidente ao lado de Serra, visaram a inocular, numa candidatura em declínio nas pesquisas, um pouco da popularidade do mandatário. Como se não bastasse Dilma Rousseff como exemplar enlatado e replicante do "pai dos pobres" petista, eis que o tucano também se lança rumo à órbita de Lula, como um novo satélite artificial; mas o que era de lata se faz, agora, em puro papelão.

Num cúmulo de parasitismo político, o jingle veiculado no horário do PSDB apropria-se da missão, de todas a mais improvável, de "defender" o presidente contra a candidata que este mesmo inventou para a sucessão. "Tira a mão do trabalho do Lula/ tá pegando mal/... Tudo que é coisa do Lula/ a Dilma diz/ é meu, é meu."

Serra, portanto, e não Dilma, é quem seria o verdadeiro lulista. A sem-cerimônia dessa apropriação extravasa os limites, reconhecidamente largos, da mistificação marqueteira.
A infeliz jogada se volta, não contra o PT, Lula, Dilma ou quaisquer dos 40 nomes envolvidos no mensalão, mas contra o próprio PSDB, e toda a trajetória que José Serra procurou construir como liderança oposicionista.

Seria injusto atribuir exclusivamente a um acúmulo de erros estratégicos a derrocada do candidato. Contra altos índices de popularidade do governo, e bons resultados da economia, o discurso oposicionista seria, de todo modo, de difícil sustentação em expressivas parcelas do eleitorado.

Mais difícil ainda, contudo, quando em vez de um político disposto a levar adiante suas próprias convicções, o que se viu foi um personagem errático, não raro evasivo, que submeteu o cronograma da oposição ao cálculo finório das conveniências pessoais, que se acomodou em índices inerciais de popularidade, que preferiu o jogo das pressões de bastidor à disputa aberta, e que agora se apresenta como "Zé", no improvável intento de redefinir sua imagem pública.

Não é do feitio deste jornal tripudiar sobre quem vê, agora, o peso dos próprios erros, e colhe o que merece. Intolerável, entretanto, é o significado mais profundo desse desesperado espasmo da campanha serrista.

Numa rudimentar tentativa de passa-moleque político, Serra desrespeitou não apenas o papel, exitoso ou não, que teria a representar na disputa presidencial. Desrespeitou os eleitores, tanto lulistas quanto serristas.

A guerrilheira, ainda


Por que a revista da Globo desenterra o passado da candidata de Lula?

Por Mino Carta, na Carta Capital

O passado de Dilma. Documentos inéditos revelam uma história que ela não gosta de lembrar: seu papel na luta armada contra o regime militar. Para explicar a foto em branco e preto estampada na capa de uma Dilma mocinha é o que nos conta a revista Época da semana passada. Não costumo ler a publicação da Globo, mas, alertado pelo leitor Wilson Moreira, de Curitiba, desta vez vou a ela, tomado de curiosidade.

Por que a semanal de uma empresa de comunicação devota da candidatura de José Serra à Presidência da República entrega-se à evocação do passado da antagonista? Haverá quem diga: todos sabem que a candidata de Lula militou na luta armada contra a ditadura e as reportagens de Época se destinam a esclarecer os fatos, documentos à mão. Obra oportuna, portanto. Meritória. E não seria o caso de dizer necessária?

A mídia da Globo não declina a devoção a que me referi acima. Pelo contrário, como o resto dos seus mais ilustres companheiros midiáticos, não perde a ocasião de declarar sua isenção, a qual seria própria do jornalismo verdadeiro, fator indissolúvel da profissão. Trata-se de besteiras dignas de figurar no Febeapá do saudoso Stanislaw, mas as besteiras, abundantes nas nossas paragens, pesam menos, muito menos que a hipocrisia.

Certo é que o qualificativo guerrilheira baila na boca dos frequentadores dos recantos finos para acompanhar o nome da candidata de Lula, quando não é suficiente para identificá-la por si próprio, como seria Perigo Público nº 1 nos tempos de Al Capone.

Leio os dois textos que compõem a reportagem, um sobre a Dilma guerrilheira, outro sobre a Dilma prisioneira. Bem trabalhados, eu diria sem ares de professor. O que me intriga é a pensata. A ideia que pautou os diligentes repórteres. Não, não solfejarei que gostaria de apostar em razões do mais puro jornalismo, voltado à missão de iluminar o caminho dos leitores. Aí eu mesmo mergulharia em hipocrisia.

Confesso que me toma, a soprar na zona miasmática situada entre o fígado e a alma, a convicção de que o intuito de Época foi oferecer munição à campanha de Serra e à ojeriza dos eleitores que apreciam a repressão e temem os reprimidos. Dilma, aliás, nunca pegou em armas e não portava uma na hora da prisão, conforme o depoimento de quem a prendeu. Sem contar que um ou outro dos entrevistados não me pareceram confiáveis, porque ressentidos, presas de velhos rancores.

Pois é, a guerrilheira. Não sei se, de fato, Dilma Rousseff não gosta de lembrar o passado. Sei, porém, que não tem razão alguma para se envergonhar dele. Alguém disse que os moços dispostos a se engajar na luta armada pretendiam transformar o Brasil em “um Cubão”. Sim, a revolução castrista empolgava mínima parte da juventude brasileira, nacionalista a seu modo e prisioneira do confronto entre os dois impérios, URSS e EUA, este para nós, na função de seu quintal, significava a condição de súdito colonizado. A sujeição.

Cuba não é um Brasil, e a revolução de lá foi popular em uma acepção aqui impossível. As diferenças são evidentes e nem por isso foram percebidas por aqueles jovens inquietos que pretendiam enfrentar uma ditadura capaz de ser sanguinária, e sempre ancorada no apoio americano. Inviável apostar então, no país-continente, na adesão de um povo resignado, herdeiro da escravidão.

Digamos que foram sonhadores destemidos, jovens no entanto, em um momento histórico que incendiava o mundo ocidental e que via o Brasil e a América Latina entregues a ditaduras exercidas com extrema violência e com a bênção de Washington. Até Guevara acreditou em uma solução de verdade irrealizável e morreu, assassinado e solitário, cercado por olhares indiferentes. O povo só sabia viver sua miséria.

A história da humanidade é pontilhada pelo exemplo de jovens que ousaram até limites extremos para combater a prepotência. Muitos deles, inúmeros, são celebrados como heróis no mundo todo. Por exemplo, os maquis franceses e os partigiani italianos. Guerrilheiros contra as ditaduras de Hitler e Mussolini, e na maioria de esquerda.

Está na hora de reconhecermos, uma vez por todas, os nossos heróis, acima da retórica dos tradicionais, e espero obsoletos, donos do poder, e a hipocrisia da mídia que os interpreta. O Brasil não virou um Cubão, mas quem lutou contra a ditadura entra na galeria. •

P.S.: O editorial da Folha de S.Paulo de quinta 19 pretende que, ao escolher Dilma, Lula portou-se como se fosse possível tratar a política qual vida familiar ao apresentar “uma candidata que ninguém conhece”. Se fosse, o presidente teria agido como os donos da mídia que colocam seus filhos na direção de jornais, revistas, tevês. Teste: o autor do editorial é: A) Santo; B) Poeta; C) Esquecido.

FONTE: http://www.cartacapital.com.br/politica/a-guerrilheira-ainda

"Pô, Jabor, vamos ouvir uma musiquinha!"

Ilustração de Cavalcante

Pô, Jabor, vamos ouvir uma musiquinha!

Por Arnaldo Bloch*

Prezado xará Jabor, estava lendo dias
atrás sua coluna sobre os arrepios
que vem sentindo diante do cenário
eleitoral (com Serra ou com Dilma,
uma grande cilada nos aguardaria!), e dos pe-
rigos de nosso atual momento, no qual esta-
ríamos cercados por forças que, de um modo
ou de outro, nos levarão às trevas da mais
inexpugnável opressão. Jabor, eu aqui decla-
ro: ao contrário de você e de tanta gente à mi-
nha volta, ainda não escolhi meu candidato.
Que nem disse o Jards Macalé: “Meu voto é
tão secreto que eu mesmo desconheço.” Além
disso, Jabor, não sou analista situacional nem
tenho a sua bagagem em vivência de proces-
sos políticos traumáticos. Nasci em 1965,
meus pais não eram ativistas, minha família
não rezava por cartilhas muito libertárias.
Por motivos de superproteção materna
maior, não frequentei os movimentos da es-
querda sionista (pô, mamãe!). Fiquei mesmo
ali, na santa ignorância sobre o arbítrio e a
violência do regime, até a sua abertura.
Entre um Dostoievski, um Kafka, um Hess e
um Ionesco, abria os jornais locais e relaxava
com os quadrinhos e os esportes. Achava Mé-
dici um velhinho simpático (o único defeito
era ser Flamengo) e me emocionava com as
paradas militares. Até hoje, quando ouço ruí-
dos de helicóptero em domingo de sol, volta-
me aquela sensação de conforto alienado. E
fico com um baita sentimento de culpa.
Em compensação, minha primeira grande
emoção cívica esclarecida (até onde era pos-
sível ser esclarecido) foi de lavar a alma: a
corrente das Diretas Já, a vigília, o comício do
milhão na Candelária. O pano da censura bai-
xou e eu bebia, no teatro, no cinema, nas ar-
tes, nos jornais, essa água nova do saber. Na
faculdade, liberto do cerco familiar, integrei
uma turma que já via como anacrônicas as
“questões de ordem” dos veteranos engaja-
dos e, ao mesmo tempo, negava as ondas de
caretice da direita tecnocrática que se insi-
nuava na arena do movimento estudantil.
Sabe, Jabor, gosto muito da sua verve e
aprecio seu alarmismo quando ele traz junto
uma autoironia redentora, uma confissão da
própria paranoia, um reconhecimento do pa-
thos do seu discurso, aquela coisa do bode
preto, do seu bode preto, estar sempre à es-
preita. Mas ao tomar o trem de seus arrepios
recentes, confesso que senti também um ar-
repio, provocado pelo seu desencanto e pela
sua desesperança no povo brasileiro. Bati na
folha do jornal e disse: não, não e não! Não
vou crer que os tais 80% de Ibope a que você
se refere sejam compostos de uma substância
humana miseravelmente iludida, incapaz de
contemplar o andar da carruagem, desprovi-
da de qualquer juízo. O brasileiro tem lá suas
carências de educação e de proteína, mas não
consigo, não consigo mesmo, ver esse povo,
passadas duas décadas e meia do início da re-
democratização, caminhar no escuro, ou na
direção do abismo.
Vejo, sim, um país que, por obra do eleitor,
levou Collor, FH e depois Lula ao poder e que,
através de suas escolhas, certas ou erradas,
deu um belo passo no sentido da consolida-
ção do tal processo democrático. Olha Jabor,
não vejo encanto em nenhum dos candidatos.
Não é, aqui, uma questão de preferência, mas
de referência. Talvez por ser um filho da ig-
norância que de repente acordou na grande
virada; ou talvez por ser menos marcado por
convulsões radicais eu tenha esta percepção
positiva. Por outro lado, há fatos a apoiá-la:
independentemente dos desmandos desse ou
daquele, dos equívocos, das apropriações de
ideias, há uma verdade indiscutível: não veio
a ruptura institucional que tantos temeram.
O Brasil foi, e é, maior que Lula, maior que
FH, que Dilma, que Serra, que os Arnaldos, os
jabores e os blochs. O Brasil é esse bêbado
equilibrista que não caiu. Que estabilizou a
moeda e a manteve estável. Que não fechou o
Congresso. País onde as instituições e os
meios de difusão de informação têm lá suas
turras, mas a imprensa está aí, dialogando
com a sociedade e com as esferas políticas
em meio à transformação revolucionária, pa-
ra o bem e para os males, que ocorre na tec-
nologia. Sei lá, Jabor. Essa sua ideia do perigo
iminente — ou será imanente? — me lembrou
um pouco a Regina Duarte em 2002, dizendo
que íamos mergulhar na hiperinflação.
Não vamos mergulhar em nada, nem a cur-
to nem a médio prazo. Acho, sim, que o ho-
mem, num âmbito global, tem questões fun-
damentais a resolver sobre sua relação com o
meio ambiente, com os recursos, com sua dis-
tribuição. O Brasil, por outro lado, vejo mais
como uma nação que cresce do jeito que uma
sociedade democrática recente (onde vigora,
incontestável, e mais do que nunca, o capita-
lismo) consegue crescer. Um país com um
passado pleno de conflitos, estruturas ainda
muito viciadas, que evolui.
Os arrepios que venho sentindo, Jabor, são
de ordem sensorial, no sentido do belo. Arre-
pios ao tocar um pianinho. Ao sentir o vento
dourado de poente invernal varrer da cuca o
bode preto. Arrepio dessa aragem boa que
qualquer um, no carro, no asfalto, no morro,
pode sentir, irmanando-se. Arrepio com um
romance filosófico da lavra de “Paisagem com
dromedário”, de Carola Saavedra. Arrepios de
bicicleta. Da crença súbita no amor. E no amor
ao Brasil. Ao que somos. Ao que fizemos até
aqui. Na boa, Jabor. Pô. Vamos ouvir uma mu-
siquinha. Dar uma respirada.

*Saiu no jornal "O Globo" de hoje, 21 de Agosto de 2010. Sim, no jornal "O Globo". Há muito tempo que eu não fazia isso, mas este texto merece leitura.

Um Zé fora de hora

Um Zé fora de hora

O “Zé que quero lá" não é apenas jingle de campanha; acima de tudo, é o sintoma de um jogo teatral lamentável, desprovido de recursos que conquistem a simpatia da platéia. Como ator político, é uma idéia fora de lugar, uma caricatura de si mesmo.

Por Gilson Caroni Filho (*)

José Serra deixou cair a máscara barata. As críticas ao que chamou de "conferencismo", no 8º Congresso Nacional de Jornalismo, vão além do agrado circunstancial ao baronato midiático que lhe apóia na campanha. A direita sabe que o maior legado da Era Lula não se resume ao crescimento econômico com distribuição de renda. O grande feito do governo petista foi mobilizar a sociedade para passar em revista problemas históricos de origem.

Após várias conferências, a história brasileira deixou de ser o recalcamento das grandes contradições, para se afigurar como debate aberto sobre suas questões centrais. Numa formação política marcada pela escravidão, pela cidadania retardatária, com classes sociais demarcadas por distâncias socioeconômicas e por privilégios quase estamentais, o que vivemos no governo Lula foi uma verdadeira revolução cultural.

Além de discutir a mídia e a questão ambiental, foi criada uma nova agenda capaz de combater preconceitos e discriminações, ligados à classe, à raça, ao gênero, às deficiências, à idade e à cultura. Conhecendo os distintos mecanismos de dominação, encurtou-se o caminho da conquista e ampliação de direitos, da afirmação profissional e pessoal. E é exatamente contra tudo isso que se volta a peroração serrista. A sociedade organizada é o pavor dos oligarcas.

O candidato tucano não escolhe caminhos, métodos, processos e meios para permanecer como possibilidade de retrocesso político. A cada dia, ensaia nova manobra de politiqueiro provinciano, muito mais marcado por uma suposta esperteza do que pela inteligência que lhe atribuem articulistas militantes. Continuar chumbado ao sonho presidencial é sua obsessão. De tal intensidade, que já deveria ter provocado o interesse de psiquiatras em vez da curiosidade positivista de nossos “cientistas políticos” de encomenda.

O “Zé que quero lá" não é apenas jingle de campanha; acima de tudo, é o sintoma de um jogo teatral lamentável. Desprovido de recursos que conquistem a simpatia da platéia, se evidencia como burla ética, como o cristal partido que não se recompõe. Como ator político, é uma idéia fora de lugar, uma caricatura de si mesmo. Vocaliza como ninguém o protofascismo de sua base de sustentação.

Por não distinguir cenários, confunde falas. Quando tenta uma encenação leve, resvala para o grotesco. Quando apela para o discurso da competência, sua fisionomia é sempre dura, ostentando ressentimento e soberba. Os Césares romanos davam pão e circo à plebe. Aqui, sendo o pão tão prosaico, o ”Zé" não pode revelar os segredos da lona sob a qual se abriga. Seu problema, coitado, não é de marketing - é de tempo.

No governo em que ocupou duas pastas ministeriais, o cenário era sombrio. Parecia, ao primeiro olhar, que, no Brasil, tudo estava à deriva: desvios colossais na Sudene, na Sudam, no DNER; violação do painel eletrônico do Senado; entrega de ativos a preço vil; racionamento de energia e descrença generalizada na ação política. Os valores subjacentes aos pólos coronel/cliente, pai/filho, senhor/servo, pareciam persistir na cabeça de muitos de nossos melhores cidadãos e cidadãs, bloqueando a consolidação democrática. Era o tempo de Serra.

Tentar voltar ao proscênio oito anos depois é um erro primário. A política econômica é outra. Mais de 32 milhões de pessoas foram incorporadas ao mercado consumidor brasileiro. Segundo o chefe do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Neri, os cenários projetados até 2014 mostram que é possível duplicar esse número. A mobilidade social gerou um cidadão mais exigente. Uma consciência política mais atenta ao que acontece em todos os escalões do poder, um contingente maior de sujeitos de direito que exige mais transparência e seriedade na administração pública. Esse é o problema do “Zé”. Aquele que, depois de tantas Conferências, poucos o querem lá.

*Gilson Caroni Filho é sociólogo e mestre em ciências políticas. Nascido e residente no Rio de Janeiro, onde é professor titular de sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha). É colunista da Carta Maior, colaborador do Jornal do Brasil e do blog "Quem tem medo do Lula?"

A charge é uma cortesia do cartunista Bira Dantas, também colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?".
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