O MEDO QUE A ELITE TEM DO POVO É MOSTRADO AQUI

A Universidade de Coimbra justificou da seguinte maneira o título de Doutor Honoris Causa ao cidadão Lula da Silva: “a política transporta positividade e com positividade deve ser exercida. Da poesia para o filósofo, do filósofo para o povo. Do povo para o homem do povo: Lula da Silva”

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domingo, 11 de abril de 2010

Lula em quadrinhos - Cap. 11 - A luta pela redemocratização do Brasil e o movimento pela reposição salarial dos 34,1%

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Esta história em quadrinhos, que foi lançada em 2002, será publicada aqui em capítulos. Tentarei manter freqüência semanal. A liberação dos direitos autorais é uma cortesia de seu autor, o cartunista Bira Dantas,  hoje colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?".

Vamos falar de futebol... O maior perna de pau do mundo


O maior perna de pau do mundo


Por Urariano MotaRecife (PE) - O jogador de futebol Mauro Shampoo, no documentário que leva o seu nome, desperta risos em muitos momentos. Jogador do Íbis Sport Club, dono do título de "pior time do mundo", Mauro Shampoo se revela no filme um atleta digno do clube. A certa altura, ele conta que em toda vida profissional, de feroz e perigoso atacante, marcou somente um gol. Ponto.


Depois do filme, essa fala me despertou alguns pensamentos. Qual seria mesmo o pior jogador de futebol do mundo? Se o melhor foi Pelé, quem poderia ser o pior? Então me ocorreu estabelecer alguns critérios.


No primeiro, os jogadores titulares e reservas dos piores times do mundo, por mais desgraçados que fossem, não teriam direito ao honroso pódio. A razão é que tais agraciados, ainda que muito ruins, são profissionais - bem ou mal vivem de futebol, e se recebem pagamento por seus talentos, algum valor de excelência têm. Entre os piores, eles não seriam os primeiros.


No segundo critério, deveria excluir desse especial ranking os jogadores de times amadores, de subúrbio, de cidades longínquas, de povoados. A razão aqui, mais uma vez, não é arbitrária. Tais jogadores, por suas habilidades, foram e são os melhores para a seleção local. Quero dizer, esses homens algum valor devem ter, porque recebem uma escolha da sua comunidade. Os times amadores, é histórico, aqui e ali fornecem estrelas para os times profissionais, até mesmo para os times de primeira divisão.


No terceiro critério, e o leitor já percebe o quanto o poço é fundo, deveria deixar fora os jogadores que se escalam para o futebol de fim de semana, os que se escolhem para jogar por lazer e diversão. Os jogadores de pelada. Esses também se excluem do ranking. Conforme já vi em Memória de futebol, mesmo entre esses jogadores há uma elite, um critério, como dizê-lo?, há uma hierarquia. Para eles, ali jogam apenas os melhores jogadores que podem existir em um raio de 1 metro de distância. Dos piores não são os mais piores, digamos.


Chega-se então aos que sobram, aos que não conseguem ter vez nas seleções dos piores times profissionais, amadores ou das peladas de fim de semana. Mas por favor acompanhem. Poderíamos, mesmo aqui, cometer alguma injustiça. Não falo em defesa dos pernas-de-pau. O problema é que entre esses jogadores excluídos há muitos injustiçados. Existem aqueles que passam por maus momentos em suas carreiras. Se os melhores têm bolhas nos pés, unha encravada, obesidade e problemas no amor com modelos, por que os piores seriam excluídos dessa felicidade? Os piores também podem atravessar uma má fase, como se diz das estrelas. Maradona, Zidane, Pelé, Ronaldo, todos sofrem. Então, por justiça, os Joões e Josés têm esse direito.


Por outro lado, os jogadores rejeitados nas peladas de fim de semana, todos, jogam por prazer, por hobby, como diziam os esnobes em 1970. Esses jogadores não se empenham, não põem a alma nos pés, não dão o sangue. Daí que, com o espírito em baixa importância, em "baixa-estima", como dizem, joguem tão mal. Diríamos, até, pior que os outros.


Então chegamos aos piores de fato. Chegamos aos que jogam com alma, que não pensam em outra coisa, só em bola, gol e futebol, todo o tempo. Chegamos aos que, apesar de todas essas condições subjetivas, produzem e jogam objetivamente mal o objeto da paixão. Mal e de mau a pior. Chegamos aos que são péssimos por natureza, por força e característica da natureza. Aos que jogam mal com toda naturalidade, e nem parecem.


E nem parecem jogar, de tão naturais. Eles formam uma segunda natureza artística. Pois não dizem que a melhor arte oculta a sua arte? Pois então: eles, os absolutos, perdem gols imperdíveis, não sabem cabecear, chutar, defender, pular, em resumo, são total avessos e estranhos ao objeto bola. Se chutassem pedras, cubos ou poliedros excêntricos, seriam melhores jogadores. E no entanto, bravo, cometem prodígios absurdos com a esfera. Se com eles o futebol não triunfa, com muita propriedade triunfa uma força maior, uma irreprimível inabilidade.


Então chego ao pódio. Eu conheci uns dois indivíduos assim. Se Mauro Shampoo dizia que em toda a vida profissional somente marcou um gol, eu devo dizer que esses dois raros jamais fizeram um só, em todas suas vidas, ainda que se matassem para o gozo de enfiar a bola naquele espaço tão largo. De um deles, de quem sou por desgraça íntimo, devo dizer que chegou a cometer um, contra. Mas não existe bom sem defeito.


Urariano Mota é jornalista e escritor. Autor do livro "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do Cabo Anselmo, executada pela equipe de Fleury com o auxílio de Anselmo. Urariano é pernambucano, nascido em Água Fria e residente em Recife. É colunista do site "Direto da redação" e colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?"

A igreja ainda tem futuro?

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A igreja ainda tem futuro?


Por Rui MartinsBerna (Suiça) - Quando tomei o trem para me encontrar com o teólogo Hans Kung (em alemão com trema no u), na cidade de Tubingen, via Zurique e Horb, tinha digerido um volumoso livro com mais de 700 páginas. Em alguns dias, minhas anotações e orelhas lhe deram uma feição de livro batido e envelhecido.


O título – Memórias, uma Verdade Contestada, uma foto de Hans Kung, ele sim um intelectual idoso de 82 anos, mas lúcido, vivo e de hábitos bem suíços, nascido que foi em Lucerna. Mal cheguei em sua casa, que é também sede do seu Instituto de ética planetária, já nos sentamos para a entrevista que gravei no meu digital mini-disk profissional, para evitar qualquer dúvida depois da publicação.


A quase íntegra ocupa uma página no Expresso, deste sábado, jornalão semanário de Lisboa. O título – O grande problema é o celibato dos padres, com um sobretítulo – teólogo reformador diz que é urgente agir. Kung queria que falássemos só do conteúdo do livro, respondi que para isso não precisaria ter viajado mais de quatro horas. Aceitou, me deu um máximo de 45 minutos, que acabaram sendo mais de uma hora e disparei – a Igreja ainda tem um futuro ?


Hans Kung é um teólogo contestador que se poderia também dizer provocador. Não foi proibido de falar, como aconteceu com o nosso Leonardo Boff, mas há vinte anos, a Cúria romana lhe tirou o direito de ensinar a teologia católica na Universidade de Tubingen. Naquela época não se falava em pedofilia, mas num dogma duro de se engolir, mesmo para um teólogo católico apostólico romano – o da infalibilidade papal. Kung escreveu um livro contestando, lembrando que, no primeiro milenário cristão, isso não existia, mas que o absolutismo da Igreja veio bem depois.


Ao lhe aplicar a punição, a Igreja pensava ter aplicado uma pena inquisitorial capaz de silenciar o irreverente e reduzi-lo a um padre anônimo. Nada disso aconteceu. Kung recebeu o apoio dos estudantes, do governo alemão revoltado com a intromissão do Vaticano numa de suas universidades e até de teólogos protestantes, não só alemães mas de todo mundo. Deixou de ensinar teologia, mas a universidade criou a cadeira de ecumenismo e, enquanto o novo professor de teologia católica ficava com a classe às moscas, as aulas de Kung eram disputadas, ainda mais por já não terem um cunho confessional.


Durante a entrevista, Kung lembrou-se dos brasileiros que encontrou durante o Segundo Concílio do Vaticano, convocado pelo Papa João XXIII, para uma grande reforma na Igreja; Paulo Evaristo Arns, Aloísio Lorscheider, Helder Câmara e Sérgio Mendes Arceu.


Em pouco tempo, logo depois da morte de João XXIII e a eleição de Paulo VI, a Cúria Romana reassumiu o controle da situação e todas as reformas foram esquecidas, cometendo-se ainda outros absurdos como a encíclica contra os anticoncepcionais, justamente quando as mulheres descobriam a pílula. A chegada do polonês João Paulo II foi ainda mais contundente, acentuando o reacionarismo, fundamentalismo e o mediavelismo de uma Igreja, hoje rejeitada pelo jovens e cedendo rapidamente terreno aos evangélicos na América Latina.


O livro de Hans Kung conta com pormenores a época em que Joseph Ratzinger, convidado por Kung, veio também lecionar em Tubingen. Ambos despontavam como jovens teólogos da Igreja, porém, pouco a pouco foram se distanciando ideologicamente a ponto de estarem, hoje em posições opostas.


O Papa Bento XVI nada tem a ver com o jovem Ratzinger que também participou com Kung dos encontro do Vaticano II. A Igreja Católica de hoje vive num impasse e para sobreviver precisa rever alguns de seus dogmas e posições, como o celibato clerical, o absolutismo Papal e sua pretensa infalibilidade, o dogma da assunção de Maria, a questão dos anticoncepcionais, sua posição diante do ecumenismo e o próprio papel da mulher dentro da Igreja.


Kung argumentou num artigo no jornal Le Monde que o celibato clerical criou problemas no clero católico e é uma das principais causas da pedofilia dentro da Igreja e das instituições dirigidas pela Igreja. Enfim, a Igreja – segundo ele – tem ainda seu futuro mas os bispos e os fiéis precisam agir, durante este Papado, ou na eleição do próximo Papa, a fim de se retornar aos princípios do Vaticano II.


Resumindo, a hora é grave para a Igreja, que insiste em não querer ver o mundo no qual vivem seus fiéis. Muitos bispos não estão dispostos a continuar aceitando os escândalos, mesmo se o Vaticano substituiu todos os cardeais e bispos reformadores por reacionários não só no Brasil mas em todo mundo.


Rui Martins é jornalista. Foi correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. É autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criador dos "Brasileirinhos Apátridas" e da proposta de um Estado dos Emigrantes. É colunista do site "Direto da Redação" e vive em Berna, na Suíça, de onde colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, e com o blog "Quem tem medo do Lula?"

Filmes - "Capitalismo: Uma história de amor"


A vitória do bom senso


Michael Moore mostra a realidade das pessoas comuns que foram expulsas de suas casas como bandidos e passaram a sentir na pele a crueldade do sistema capitalista também nos EUA.


Michael Moore é um sujeito admirável. Não tem medo de colocar a cara para bater e de denunciar as mazelas que assolam seu país, virando alvo do ódio de fundamentalistas da extrema direita estadunidense e de seus capachos mundo afora.


Seu novo documentário, “Capitalismo: Uma História de Amor”, é uma porrada em quem ainda defende esse sistema econômico injusto e desumano que tem levado a humanidade cada vez mais perto do abismo. Sempre de maneira bem humorada, Moore mostra como o capitalismo criou uma bolha de ilusão nos Estados Unidos a partir do fim da II Guerra Mundial, gerando uma classe média próspera e feliz sobre os escombros de outras grandes potências como Japão, Alemanha e Inglaterra cujo parque industrial encontrava-se totalmente destruído. E foi exatamente esse modelo de “capitalismo dos sonhos” que os EUA exportaram durante décadas para o resto do mundo como se fosse o ideal de sociedade passível de ser atingida por todos.


Mas o que o bom senso já dizia ser mentira, a história confirmou. A nova crise do sistema, iniciada pelo estouro da bolha imobiliária nos EUA que gerou a quebra de vários bancos e financiadoras, jogou a classe média daquele país numa situação de penúria, digna dos chamados países do “terceiro mundo”. Famílias inteiras, convencidas por peças de marketing mentirosas a investir suas casas no cassino da bolsa de valores, perderam tudo e viram suas vidas serem destruídas em questão de dias.


Michael Moore mostra no filme um pouco da realidade dessas pessoas comuns, que foram expulsas de suas casas como bandidos e passaram a sentir na pele a crueldade do sistema capitalista, enquanto os bancos e empresas que quebraram receberam ajudas bilionárias do governo, as quais foram usadas na maioria dos casos para pagar polpudos bônus a seus executivos.


Enfim, tudo aquilo que os que lutam contra esse sistema brutal vem denunciando há tempos, agora exposto da maneira didática e corrosiva de Michal Moore. É o tipo de filme que todo mundo deve assistir, inclusive aqueles que precisam rever seus conceitos com urgência.


Cotação: * * * *


André Lux que, em seu blog "Tudo em cima",  se autodenomina como o "famigerado crítico-spam", é jornalista, presta assessoria na área de Comunicação Social e colabora com o blog "Quem tem medo do Lula?".

Um namoro etnodigital



Um namoro etnodigital


Deitado na rede de fibra de tucum, cada um dos dois se embalava, sozinho, nas noites quentes de Rondônia. Já sonhavam um com outro? Quem sabe? O certo é que nunca tinham se visto. Estavam separados por rios e florestas, numa distância de 350 km. Ele morava em Cacoal, ela em Alta Floresta do Oeste. Até que recentemente, com o apoio da filha, ela o adicionou como amigo no Orkut e eles, então, se conheceram virtualmente. Foi aí que deitaram e rolaram, dessa vez juntos, no fundo de outra rede: a net.


Durante um ano, trocaram mensagens que atravessaram o ciberespaço, permitindo que afinassem o violino. “No começo era só amizade, depois ele quis mais”- ela contou ao jornalista Marcos Lock. Segredos e confidências eram cochichados pelas pontas dos dedos. O relacionamento evoluiu para conversas frequentes através do MSN Messenger. Os papos foram revelando afinidades e construindo cumplicidades. Pa-papinho vai, pa-papinho vem, quando caíram em si, já estavam namorando. Por enquanto, virtualmente.


Aí deu vontade de um contato pessoal face to face. Marcaram um encontro. Em abril do ano passado, Tori, que é índia Tupari, saiu de sua aldeia, na Terra Indígena Rio Branco, e foi visitar em Cacoal o índio Gasodá, que pertence ao povo Paiter Suruí. Não deu outra. Os dois se casaram no início do ano, num evento que foi registrado pela Folha de Rondônia: “Namoro pela web leva casal indígena rondoniense ao altar” (25/03/2010).


A Maloca Digital


O namoro e casamento de Gasodá e Tori é apenas uma das tantas consequências da crescente atuação dos índios no ciberespaço, que marca a apropriação por eles das tecnologias digitais. Nos últimos anos, os índios criaram sites, blogs, portais, comunidades virtuais, facebooks, fotologs, onde trocam experiências e informações e publicam textos, fotos, desenhos, notícias, músicas, vídeos.


No Brasil, índios de diferentes línguas e etnias foram estimulados a usar a internet por organizações governamentais e não governamentais. Embora a situação ainda seja bastante precária, inúmeras das 2.698 escolas indígenas existentes nas aldeias, frequentadas por mais de duzentos mil alunos, foram dotadas de computadores. Ali onde isso não foi possível, os computadores dos postos de saúde da FUNASA foram disponibilizados dentro dos ‘Pontos de Cultura’ no Programa GESAC – Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão.


Essa situação permitiu que logo surgissem, em 2001, os primeiros sites indígenas, segundo Eliete Pereira, do Centro de Pesquisa Atopos, da ECA/USP, que andou mapeando a presença indígena na net, ainda bastante irregular. Ela encontrou três tipos de sites: os sites de organizações indígenas, os sites de etnias e os sites pessoais.


Os primeiros são mantidos na rede por organizações com abrangência local, regional ou nacional e estão associados à luta por direitos pela terra, pela educação bilíngue, pela saúde, constituindo-se em ferramentas de reivindicação política. É o caso, por exemplo, do portal da COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, ou o da FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.


Já os sites de etnias são criados para dar maior visibilidade étnica frente à sociedade nacional e internacional e para mostrar a arte de cada grupo, a produção do artesanato, os padrões gráficos, as narrativas, a língua. É o caso dos Baniwa, do Rio Negro (AM), ou dos Ashaninka, do Acre e de tantos outros, que participaram, em 2005, do I Seminário Rede Povos da Floresta, realizado no Rio de Janeiro, para discutir o acesso deles à tecnologia da informação e a conexão à internet.


O terceiro tipo são os sites pessoais e individuais, que utilizam a internet de forma inovadora, como o do escritor Daniel Munduruku, que apresenta os seus livros e dialoga com leitores, ou o da escritora Eliane Potiguara. Os índios que participam dos cursos de formação de professores indígenas ou de cursos universitários aprendem a lidar com o computador, trocam informações via e-mails, orkut, msn, skype. Eles estão agora lutando para demarcar um novo tipo de território no ciberespaço.


O Ciber Território

Nesses territórios, os usuários indígenas da internet divulgam noticias sobre seus problemas, articulam redes de apoio e acabam sendo mediadores de conflitos indígenas junto aos canais e veículos tradicionais de informação e às próprias instituições governamentais. Essa nova prática tem permitido alguns grupos a fiscalizar com maior empenho a gestão pública dos recursos destinados às populações indígenas e a denunciar as violações aos direitos constitucionais dos índios.


Foi no ciber território que Gasodá e Tori se conheceram. Eles vivenciaram experiências diferentes com a internet. Para Gasodá, que tem mais de 650 amigos no Orkut, a rede ajuda a fazer amizades e a “quebrar o gelo” entre pessoas desconhecidas: “Eu conheço muita gente através da internet, porque conversamos sobre assuntos indígenas pelo MSN. E quando a gente se encontra pela primeira vez, parece que já se conhece há muito tempo e aí é só chegar e cumprimentar: ah, você é que é o fulano, dá um abraço. É como se fosse uma amizade antiga”.


Já Tori vive numa aldeia onde os jovens e adultos “não conhecem muito a internet”, mas quando se fala em computadores, eles ficam muito animados, têm vontade de saber mais. “Quando vão à cidade, eles vão e ficam olhando, não chegam a tocar, eles têm receio de tocar e quebrar”.


Yakuy Tupinambá, integrante do Projeto Índios Online, diz que a internet está promovendo a abertura de horizontes, o que contraria o pensamento daqueles interessados em manter os índios amordaçados. “A internet trouxe-nos novos significados, sem que isso implique no abandono das nossas tradições. Conectar-se ao mundo através da internet é ter direito a ter um rosto, e fazer ouvir nossa voz, abrindo uma janela para o mundo” – completa Yakuy.


Os índios confirmaram essa posição em junho de 2005, durante a Conferência Regional da America Latina e Caribe sobre Sociedade da Informação. Nesse evento, eles aprovaram a Declaração Indígena do Rio de Janeiro, onde afirmam que estão preparados para o inevitável encontro entre os conhecimentos tradicionais e a modernidade, “caminho a ser percorrido para nossa sobrevivência física e cultural, que nos assegura direitos de acesso aos novos conhecimentos e à informação”.


A Caixa da língua


A presença indígena na internet contribuiu para o surgimento de algumas questões relacionadas ao uso da língua e à afirmação da identidade. Se Gasodá, por exemplo, enviasse suas mensagens em língua Paiter Surui, um idioma da família linguística Mondé, provavelmente não haveria namoro e casamento, porque a língua de Tori – o Tupari - pertence à outra família linguística e eles não se entenderiam.


Por isso, quando índios de línguas diferentes se comunicam, usam o português, aliás, uma deliciosa variedade do português escrito, que pode ser apreciada, por exemplo, na comunidade colaborativa de aprendizagem Arco Digital, onde mais de 100 índios de diferentes etnias interagem, com programação diária de vários chats temáticos. Eles brincam com a língua, sem medo de errar e sem censura, detonando regras normativas de ortografia, de pontuação e de sintaxe, como estão fazendo na internet os jovens nativos de qualquer língua.


Essa é uma das características da comunicação mediada pelo computador, que deu origem a uma língua denominada de netspeak pelo linguista irlandês David Crystal. Ele observa que os e-mails, por exemplo, têm sido chamados de ‘fala escrita’, de ‘cruzamento entre conversa e carta’ porque misturam a escrita com a fala. “No geral, o netspeak é mais compreendido como uma linguagem escrita que foi empurrada em direção à fala do que uma linguagem falada que foi escrita”.


Talvez por isso, os índios, que pertencem a sociedades ágrafas, com forte tradição oral, se sintam atraídos por esse novo campo do discurso, no qual se desenvolvem com muita agilidade, porque nele reencontram a aldeia cibernética, marcada por traços da oralidade e pela comunicação através de imagens.


Essa aldeia cria também um novo espaço social para o uso das línguas indígenas. No curso que ministro para professores guarani no Paraná, eles aproveitam as horas vagas para ocupar o laboratório de informática, e lá se comunicam por e-mail com outros índios da mesma etnia em língua guarani. Os guarani do Rio de Janeiro, por isso, denominaram o computador de ayvu ryru, que significa, ‘caixa de guardar a língua’.


Aqueles que aceitam as contínuas mudanças na sua própria cultura, mas acham que as culturas indígenas devem permanecer congeladas para serem “autênticas”, acreditam ingenuamente que o uso da internet pelos índios compromete a identidade étnica.


Os índios, no entanto, aprenderam a conviver com esse processo contínuo de tensão entre o tradicional e o novo. Eles estão permanentemente recriando a tradição, introduzindo novos sentidos e novos símbolos. E é claro, não deixam de ser índios, ou então os brasileiros, que usam a internet, ferramenta que não é tecnologia nacional, deixariam também de ser brasileiros.


P.S.1 – Quem quiser saber mais sobre o tema, vale a pena ler Eliete da Silva Pereira: “Nos meandros da presença étnica indígena na rede indígena” In: DI FELICE, M. (org) Do público para as redes – a comunicação digital e a novas formas de participação social. São Caetano do Sul: Editora Difusão, 2008, pp. 287-333.


P.S. 2 - Agradeço a interlocução com a mestranda Renata Daflon, do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO, que desenvolve pesquisa sobre “Memória Criativa na Blogsfera: contribuições para pensar o ‘patrimônio em rede’”, orientada pela doutora Vera Dodebei.


José Ribamar Bessa Freire é antropólogo, natural de Manaus e assina no "Diário do Amazonas" coluna semanal tida como uma das mais lidas da região norte. Reside no Rio de Janeiro há mais de 20 anos e é professor da UERJ, onde coordena o programa "Pró-Índio".  Mantém o blog "Taqui pra ti" e é colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?"

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